O canibalismo é considerado um dos principais tabus da humanidade em várias culturas. Somente algumas tribos bastante isoladas é que ainda possuem esse hábito. Mas muito além do estigma social existe um perigo que muitas pessoas não conhecem em consumir a carne humana.
Em 1961, um pesquisador e médico australiano chamado Michael Alpers foi até a Papua Nova Guiné, em uma viagem que misturava suas duas paixões: a medicina e a aventura. Lá, ele começou a investigar o povo Fore – uma tribo praticamente intocada que vivia nas profundezas das montanhas do país, e praticava o canibalismo.
“O corpo era comido em um ato de amor, bem como por apreciação gastronômica”, escreveu Alpers em um de seus textos acadêmicos sobre o povo Fore.
As pessoas dessa tribo desenvolveram uma condição chamada “kuru”, que matava cerca de 200 indivíduos todos os anos. As mortes muitas vezes começavam com sintomas como tremores, incapacidade de trabalhar, depressão e instabilidade emocional. Existem relatos de pessoas que começavam a rir histericamente durante um surto do “kuru”.
O povo Fore acreditava que isso se tratava de uma maldição, mas Alpers queria encontrar uma explicação científic para esse mistério. Curiosamente, a condição não aparentava ser causada por vírus, bactérias, fungos ou parasitas. Adicionando mais mistério na história, somente as mulheres e crianças sofriam da condição.
Isso fez com que os pesquisadores começassem a se perguntar: será que isso teria algo a ver com o ritual funerário do povo Fore, que envolvia canibalismo? Durante os rituais, somente as mulheres e crianças comiam o cérebro dos mortos, enquanto os homens comiam a carne de outras partes do corpo.
“Furos” microscópicos são característicos em seções de tecido afetadas por príons, fazendo com que o tecido desenvolva uma arquitetura “esponjosa”. Dr. Al Jenny / Biblioteca de Imagem de Saúde Pública, APHIS
Durante uma entrevista para a Cosmos Magazine, em abril de 2016, Alpers explicou: “O argumento para o canibalismo – e eu não uso mais esse termo, mas era usado na época – era convicente. Tudo batia. Por que as mulheres e crianças pegavam a doença? Porque elas eram as únicas que realizavam a prática, os homens não. Isso explica as mortes entre crianças […]. Você pode também concluir que a doença não estava sendo transmitida verticalmente das mães para as crianças”.
Em 1966, Alpers e uma equipe de outros cientistas estavam começando a perceber que o kuru era causado por algo diferente de uma infecção viral, bacteriana ou até mesmo genética. Na verdade, a doença era causada por um agente chamado príon (ou prião).
Os príons são a forma aberrante das proteínas normais, que não podem se replicar com informações genéticas. Eles têm a capacidade de transformar outras proteínas em príons também, se tornando infecciosos. Eles são responsáveis, por exemplo, pela famosa “doença da Vaca Louca”, e sua versão humana, a doença de Creutzfeldt-Jakob – duas doenças degenerativas do sistema nervoso que se assemelham bastante ao kuru. Acredita-se que a doença da “Vaca Louca” ocorria como resultado de vacas sendo alimentadas com miúdos e tecidos cerebrais de outras vacas – bem como o kuru.
Então, comer cérebros humanos pode não ser a melhor das ideias, mesmo sem citarmos todas as doenças transmitidas pelo sangue que você poderia contrair com essa prática – como o HIV e hepatite.